Criada em 4 de agosto de 1995, a unidade é referência em atendimento humanizado voltado ao aleitamento materno e à doação de leite humano
A força que Ana Camille Cavalcanti, de 22 anos, destina aos projetos de vida revela o cuidado que ela recebeu após nascer prematuramente, em maio de 2003, no Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), em Fortaleza. Pesando apenas 1,7 kg, Camille ficou 40 dias na incubadora, onde foi atendida pelo Banco de Leite Humano (BLH) do HGCC.O serviço completa 30 anos nesta segunda-feira (4).
“Eu tinha acabado de fazer 17 anos quando a Camille nasceu aos sete meses. Eu precisava tirar leite, mas ficava tão nervosa que o leite não saía. As mães doadoras [do BLH] deram o leite para minha filha”, conta a advogada Claudiane Cavalcanti, 39, mãe de Ana Camille.
Claudiane e Camille foram atendidas pelo BLH do HGCC em 2003
O leite humano é considerado o alimento mais completo e acessível para suprir as necessidades básicas dos recém-nascidos. Caso a mãe não consiga amamentar naturalmente após o parto, os bancos de leite, como a unidade do HGCC, são vitais para a nutrição adequada e proteção imunológica dos bebês, principalmente na recuperação de prematuros.
“Sem esse apoio que minha mãe recebeu do Banco de Leite do César Cals, eu talvez não teria conseguido progredir no tratamento. Hoje em dia eu sou forte graças a isso”, avalia Ana Camille, que atualmente é estudante de Odontologia e deseja seguir carreira na Pediatria.
Muitas histórias de mães e bebês preenchem o coração da pediatra Rejane Santana, que coordena o BLH desde a implantação. “Foi uma ideia da Secretaria da Saúde do Estado criar um banco de leite que fosse do Estado. Na época, a mortalidade infantil era grande. Eu me emociono porque é uma história de vida. É um filho”, sorri.
A pediatra Rejane Santana é servidora da Sesa desde 1986 e coordena o BLH há 30 anos
A coordenadora pontua que, desde o primeiro ano, o serviço funciona todos os dias.Desde 2000, o BLH do HGCC é unidade de referência para o Ministério da Saúde (MS),destacando-se também por ter sidoo primeiro no Ceará a funcionar 24 horas por dia, atendendo demandas internas e externas.
“Eu costumava dizer que a gente fazia um bem para as próximas gerações. Agora eu sinto que a gente faz um bem para todas as gerações, independentemente das condições financeiras ou geográficas. No Ceará, tem esse trabalho público aberto à população”, afirma a pediatra.
“Esse serviço pasteuriza 250 litros [de leite humano] por mês. O leite não é nosso, é para qualquer bebê que estiver precisando”, acrescenta Rejane.
O Hospital Dr. Cesar Cals também é certificado, desde 1994, como “Hospital Amigo da Criança”. O título é concedido pelo Ministério da Saúde e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em reconhecimento às boas práticas no incentivo ao aleitamento materno e à atenção humanizada ao recém-nascido.
A unidade atua fortemente no incentivo à criação de novos bancos de leite no estado. Atualmente, a Rede Sesa tem quatro BLH: HGCC, Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Hospital Infantil Albert Sabin (Hias) e Hospital Regional Norte (HRN).
O mastologista e diretor do HGCC, Antonio de Pádua, ressalta que, para além da celebração dos 30 anos,a data reforça o compromisso com o aleitamento materno no estado, engajando potenciais doadoras para ampliar o estoque de leite.Agosto também é o mês da campanha nacional de incentivo à amamentação.
“É uma data comemorativa, mas também é um alerta para a sociedade perceber a importância de estimular essa prática que só tem benefícios para a relação entre mãe e bebê. O leite humano é um manancial de benefícios”, defende Pádua, que é servidor do HGCC há 30 anos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o aleitamento materno exclusivo seja mantido até os seis meses do bebê, continuando como complemento até pelo menos os dois anos de idade da criança.
Ainda segundo o mastologista,o aleitamento começa antes do parto, ainda no pré-natal, com uma gestante saudável e acolhida. O acesso à informação é fundamental para evitar a ansiedade materna, que afeta a produção de leite e a experiência de amamentar.
“O que gera ansiedade é a dúvida. Se você fortalece a mãe durante as consultas do pré-natal, ela vai chegar no parto sem dúvidas em relação à amamentação, e vai conseguir, na maioria das vezes, amamentar”, enfatiza o médico.
Para isso,o Banco de Leite trabalha integrado a outras equipes do Hospital,e conta com pediatras, enfermeiras, nutricionistas, farmacêuticos, assistentes sociais, técnicos de Enfermagem, entre outros profissionais.
A técnica de Enfermagem do Banco de Leite, Luciana da Silva Costa, compartilha diariamente orientações e carinho. “A gente acolhe com muito amor, conversa, mostra que elas têm leite. Ensinamos a fazer a massagem, a ordenha. Quanto mais estímulos, mais aumenta a produção de leite”, explica.
Luciana Costa faz parte da equipe multiprofissional do BLH do HGCC
Mais que conhecimento, um verdadeiro abraço para a atendente Huonna Ribeiro, 36, mãe de Andrey Levi. Ele chegou no tempo certo, no dia 20 de julho deste ano, com peso e tamanho adequados, mas ficou na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI Neonatal) do HGCC durante alguns dias.
Mãe de outros três filhos,Huonna reconhece a importância de fornecer através do leite os anticorpos, vitaminas e outros nutrientes que o bebê precisa. “Leite para mim nunca foi problema, sempre tive muito. Os outros mamaram até os quatro anos”, frisa.
Porém, com a rotina dividida entre hospital e casa, ela enfrentou, pela primeira vez, o medo de não conseguir amamentar. “Foi um baque muito grande ele ir para UTI. Eu achava que não ia conseguir ter leite suficiente para ele. As meninas do Banco de Leite me incentivaram muito”, agradece Huonna, que já levou Andrey para casa.
Até a alta médica do filho, na semana passada, Huonna ia diariamente ao HGCC para drenar o leite
Para dar mais suporte às mães e pais de recém-nascidos internados no Centro de Neonatologia,o HGCC oferta o Serviço de Acolhimento Materno, que tem o objetivo de garantir apoio emocional, psicológico e terapêuticodurante esse período de fragilidade para toda a família.
“Essa mãe se alimenta aqui com todas as refeições necessárias. Tem que ter essa estrutura para que a mulher alimente o próprio filho. Na circunstância em que isso não pode ser feito, aí vem o leite disponível em nosso banco”, detalha Rejane Santana.
O Banco dispõe ainda de atendimento no local, para mães externas, bem como da Sala da Mulher Trabalhadora que Amamenta(Samta), destinada a mulheres em período de lactação, mas que já retornaram ao trabalho.
“O espaço atende mulheres que estão perto do Hospital, trabalhando no Centro de Fortaleza, que desejam doar ou retirar o leite para o próprio filho. O nosso intuito é que a mãe se empodere do direito dela de amamentar e, para isso, acolhemos”, diz Rejane.
Vinte anos depois da doação recebida para a filha Camille, Claudiane Cavalcanti deu à luz a Lorenzo, hoje com dois anos de idade.Sem dificuldades para amamentar o segundo filho, ela se tornou doadora do BLH. “Quem tiver leite, doe, porque as crianças precisam. Estou devolvendo o que eu recebi. É um sentimento de gratidão”, descreve.
De Janeiro a Junho de 2025, o Banco de Leite do HGCC teve 824 mães doadoras externas, que doaram 1.232 litros, o que beneficiou 1.008 recém-nascidos.
A unidade temuma rede com 13 postos de coleta distribuídos em Fortaleza e no Interior. Além disso, em alguns casos, também é feita a coleta domiciliar, na residência da doadora, com rigor técnico e biossegurança.
“Nós recebemos esse leite com muito cuidado. Ele passa por vários controles de qualidade. Quando é liberado para o prematuro ou bebês de baixo peso que estão na unidade neonatal, é 100% seguro”, conclui a coordenadora do BLH.
Mães, maternidades e postos podementrar em contato com o Banco de Leite do HGCC enviando mensagem, via WhatsApp, para (85) 99421-9941.
O número também está disponível para quem deseja ser doadora.
Hospital Geral Dr. César Cals
Endereço: avenida do Imperador, 545, Centro – Fortaleza
Mín. 25° Máx. 37°