Defensores públicos e entidades ligadas aos povos indígenas denunciaram na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (7) o preconceito e o racismo contra indígenas presos no País. O assunto foi tema de audiência pública na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais;
“Nós estamos falando de pessoas que ingressam no sistema carcerário e que, desde a primeira abordagem, já sofrem com essa falta de conhecimento por parte das autoridades policiais que se veem no direito de dizer quem é e quem não é indígena”, disse Aléssia Tuxá, que é indígena e defensora pública na Bahia e coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Igualdade Étnica da defensoria baiana.
Segundo ela, a dificuldade de o preso ser reconhecido como indígena leva à “invisibilidade” como cidadão e compromete o acesso a direitos. “Essa invisibilidade faz com que nós tenhamos chegado a esta data sem que haja uma legislação específica tratando sobre povos indígenas no sistema penitenciário”, acrescentou.
Aprovado em 1973, o Estatuto do Índio estabelece que, ao condenar um indígena à prisão, o juiz deve atenuar a pena, considerando o grau de integração do réu com a sociedade. Prevê ainda que, se possível, o magistrado deverá permitir o cumprimento da pena na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e em regime de semiliberdade. O estatuto, no entanto, não trata de normas específicas para o cumprimento da penas por indígenas em presídios.
Lei prisional específica
A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), que propôs a realização da audiência, também citou violações de direitos de indígenas no sistema carcerário brasileiro e sugeriu uma consulta pública sobre uma lei prisional específica para os indígenas.
Daniele Osório, coordenadora do Grupo de Trabalho Povos Indígenas da Defensoria Pública da União em Mato Grosso do Sul, disse que o estado é o que mais encarcera indígenas no País. “Um terço dos indígenas presos no Brasil está em celas sul-mato-grossenses. A maioria são Guarani e Kaiová”, disse.
Ela relatou ainda casos de preconceito e racismo por parte da polícia contra guaranis e kaiovás. “O que há é uma total desconsideração das diferenças culturais. O indígena, quando abordado pela polícia, mesmo no seu território, mesmo na reserva, na área demarcada, não percebe qualquer consideração sobre o idioma, a língua materna, os seus costumes e seus atos”, acrescentou. Ela concordou com a proposta de uma legislação prisional específica para indígenas.
Luta por direitos
Viviane Balbuglio, representante do Instituto das Irmãs da Santa Cruz e do Conselho Indigenista Missionário, e Andrey Ferreira, vice-coordenador do Comitê Laudos Antropológicos da Associação Brasileira de Antropologia, afirmaram que o racismo contra indígenas na esfera penal deve ser analisado dentro do contexto de luta por direitos, incluindo terras.
“Quando a gente está debatendo pautas como o marco temporal, ou seja, o direito ao território ancestral, a criminalização [de indígenas] tem sido utilizada para impedir esse acesso a direitos”, apontouViviane.
“Esse estado penal, que também é uma espécie de estado de exceção, ganha força no contexto em que os povos indígenas estão tentando lutar para defender ou ampliar os seus direitos”, acrescentou Ferreira.
"Justiça cega"
Caíque Galicia, assessor do Ministério dos Povos Indígenas, defendeu que o País repense o conceito de justiça, afastando-se do modelo europeu, que idealiza a justiça como ‘cega’ ou imparcial, e passando a considerar características da América Latina, como a presença de povos indígenas.
“Existem pesquisas já bastante consolidadas que dão conta, por exemplo, que fatores como gênero, raça e etnia são utilizados nas sentenças, normalmente para aumentar a pena. Então, esse é o olhar, melhor dizendo, a venda da Justiça que a gente precisa começar a tirar”, disse Caíque.
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