O Marco legal da Inovação precisa ser revisto para facilitar sua operacionalização. Esta foi a constatação de especialistas durante audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara que reuniu representantes do setor para dialogar com os órgãos de fiscalização. A legislação foi aprovada em 2015 e, entre outros pontos, incentiva a pesquisa científica, prevê isenção e redução de impostos para importação de insumos e facilita processos licitatórios, tanto em institutos quanto em empresas.
O consultor jurídico do Ministério da Ciência e Tecnologia Leopoldo Muraro afirma que é necessário aprimorar o regime jurídico e as previsões legais das agências de fomento e dos institutos de ciência e tecnologia (ICTs). De acordo com Muraro, 42% dos institutos federais de ensino superior não fizeram, nos últimos três anos, contratos de prestação de serviços em projetos de pesquisa, e 48% não fizeram contratos que envolvem transferência de tecnologia.
“Uma sugestão é deixar na nova legislação até onde o pesquisador pode ou não pode, para evitar problemas com órgãos de controle. O marco incentiva que ele tenha empresa. Mas ele pode ou não pode atuar na universidade? Ele pode ou não pode atuar no centro de pesquisa?”, questiona.
Assessor da área de negócios da Embrapa, Daniel Nascimento citou uma visita que fez a um instituto de pesquisa em Israel, onde conversou com uma pesquisadora.
“Ela mencionou: eu sou sócia dessa startup. Ao ser perguntada ser não via conflito de interesses, ela não entendeu a pergunta. ‘Conflito como? Estamos gerando emprego, renda, levando inovação para o mercado, atingindo outros países. Tem a receita que essa startup gera para a universidade, esse laboratório é o mais estruturado da universidade, e eu sou sócia de mais cinco’. Esse modelo já existe em diversos países”, apontou.
O presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipti), Paulo Foina, fez um desabafo: fazer pesquisa no Brasil, sendo professor, é uma atividade de alto risco.
“Tem muito órgão no Brasil que atrapalha o desenvolvimento científico”, disse Foina. “Eu não faço compra tecnológica, não sou louco de colocar meu CPF nisso, na encomenda tecnológica. E nem em compra com dispensa de licitação. Cansei de ver empresas que só têm um fornecedor, como o supercomputador, e eu poderia pedir compra com licença, mas, se eu pedir, metade do TCU vai cair nas minhas costas. Eu estou fazendo certo, mas terei que provar que estou certo”, reclamou.
Para o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão, a legislação precisa ser revista para ser melhor executada Ele também citou o supercomputador como exemplo.
“Um instrumento de pesquisa, um supercomputador, só tem um fabricante. Só tem ele. Quando fui instruir o processo para comprar partes para modernizar o computador, não foi aceito. ‘Por que você não faz uma concorrência pública? Você abre um jornal, tem preço de laptop’, perguntaram.”
A pouca disponibilidade de recursos para pesquisa científica e tecnológica foi amenizada pelo aporte dos governos estaduais por meio das fundações, segundo o presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Odir Dellagostin. Mas ele reclamou que o tempo que poderia ser gasto com inovação é gasto com atividades burocráticas exigidas pela legislação, mesmo quando os recursos estão disponíveis para o pesquisador.
“Ele tem que buscar pelos orçamentos para fazer determinado gasto, porque a lei a exige. Observar critérios, prestar contas com nível de exigência enorme e isso tudo tem custo, é um custo muito elevado e que não mensuramos”, afirmou.
Segundo Dellagostin, no Brasil, são necessários três meses para conseguir um reagente que em países desenvolvidos é obtido em poucas horas. Ele citou um projeto de lei em tramitação no Senado (PLS 226/16) que concede autonomia financeira aos institutos de ciência e tecnologia públicos e dá segurança jurídica para a concessão de bolsas e isenção de impostos de importação para empresas em projetos de pesquisa e desenvolvimento. A mesma proposta foi citada pela diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio, que lembrou que o Brasil está na posição 54 entre 132 países no índice global de inovação e ocupa a sexagésima posição em 64 países no ranking de competitividade.
Liberdade
O procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU), Bruno Monteiro Portela, afirma que o marco legal da inovação deu muita liberdade ao gestor, mas citou um acórdão do TCU que mostra sua baixa implementação. Cerca de 20% das universidades federais brasileiras não elaboraram sua política de inovação.
“A gente precisa limpar a mesa da burocracia, simplificar. E isso aqui eu já coloco como avanço. Essa é uma visão do próprio ministro que busca, dentro das regulações que estamos trabalhando na AGU, simplificação e desburocratização para o tema", pontuou. "A gente precisa, dentro dessa análise do marco legal, a partir de lei e decreto, ter em mente quais as possibilidades de exigir menos do pesquisador, porque ele tem que cumprir a área finalística e tem que ser desincumbido da área operacional”, afirmou.
Ele afirma que o marco construiu alianças estratégicas. Hoje, o gestor público pode assinar alianças com entidades públicas, privadas, nacionais ou estrangeiras por meio de 25 instrumentos que o marco legal disponibiliza para o setor acadêmico, produtivo e público.
A audiência pública foi pedida pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR), que argumentou que é necessário avaliar os benefícios, as limitações e gargalos na legislação. Deve haver outra audiência pública futuramente para continuar a discussão.
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