As famílias de refugiados migrantes venezuelanos interiorizadas têm oito vezes mais chances de atingirem a autossuficiência econômica. Também são mais satisfeitas com a qualidade da moradia, com a escola dos filhos, com a mobilidade urbana, e com acesso à internet.
Os resultados são de um levantamento realizado pelo Instituto Pólis Pesquisa entre agosto e novembro junto à população de refugiados migrantes venezuelanos em Boa Vista (RR) e nas cidades para as quais se destinaram no Brasil após conseguir empregos. A apuração permitiu identificar 59 famílias “interiorizadas” fora de Roraima e que já haviam participado da mesma pesquisa em 2021.
A iniciativa de interiorização tem como nome Projeto Acolhidos por Meio do Trabalho. Segundo apurado pelo instituto Pólis Pesquisa, 65,8% dos respondentes que saem de Roraima para outras partes do Brasil estão trabalhando com carteira assinada.
O projeto é implementado pela Associação Voluntários para o Serviço Internacional Brasil (AVSI Brasil) e pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), a iniciativa conta com o financiamento do Departamento de População, Refugiados e Migração (PRM), do governo dos Estados Unidos. A AVSI Brasil é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) constituída em 2007. A associação é vinculada à Fundação AVSI, de origem italiana.
De acordo com o Pólis Pesquisa, o perfil dos venezuelanos beneficiados pelo Projeto Acolhidos por Meio do Trabalho é mais feminino (55,1% das pessoas migrantes são mulheres); e a grande maioria está em idade ativa para o trabalho (21,1% têm de 18 a 24 anos; 52,5% têm de 25 a 39 anos; e 23,2% têm de 40 a 59 anos). Quanto à escolaridade, 23% concluíram o ensino fundamental; 53,3% terminaram o ensino médio; 13,6% fizeram o ensino técnico; e 10,1% têm educação superior.
O rendimento médio das famílias interiorizadas é R$ 3.212, cinco vezes a mais do que a renda familiar de quem permanece em Roraima (R$ 621). Conforme nota enviada à Agência Brasil pela AVSI, a renda média per capita é de R$ 157 para os não interiorizados, e de R$ 894 para os interiorizados, uma variação de 469%.
A busca de trabalho e a procura de tratamento para enfermidade são comuns entre os venezuelanos que chegam no Brasil, segundo Bertha Maakaroun, jornalista e cientista política que estuda a inserção dos venezuelanos no mercado de trabalho brasileiro. “Grande parte deles vêm por causa do SUS”, relata a pesquisadora.
De acordo com contagem do Ministério do Brasil de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, as estratégias de realocar voluntariamente migrantes venezuelanos de Roraima para outras cidades brasileiras beneficiaram mais de 100 mil pessoas desde 2018. Conforme a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), “esse total representa quase um quarto dos 425 mil venezuelanos que vivem no Brasil.”
No total, 930 cidades em todo o país receberam Indivíduos e famílias venezuelanas. O Projeto Acolhidos por Meio do Trabalho realocou pessoas em 55 cidades de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, além do Distrito Federal.
Além do projeto para recolocar imigrantes em outras cidades, a AVSI realiza o encaminhamento de alguns venezuelanos para o centro de acolhida em Brasília. O venezuelano Andherson Vargas, de 34 anos, imigrou para o Brasil no final de janeiro deste ano acompanhando a esposa que precisa fazer uma cirurgia nos olhos para extrair o cristalino e colocar uma lente intraocular. Segundo ele, “há risco de perda de visão por descolamento de retina.”
O casal chegou ao Brasil pela fronteira de Pacaraima, cidade ao norte de Roraima e limítrofe com a Venezuela. Em setembro, os dois vieram para Brasília, e provisoriamente residem na Casa Bom Samaritano, em Brasília, um centro de acolhida em área da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ligada à Igreja Católica, que entre 2019 e 2023 abrigou 592 venezuelanos.
O tempo do casal no centro de acolhida é breve. Conforme a dinâmica dos gestores do espaço – a AVSI Brasil e o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH)/Fundação Scalabriniana -, eles têm três meses de hospedagem garantidos, enquanto Andherson não consegue colocação no mercado de trabalho.
O venezuelano, que era advogado em seu país e chegou a ganhar mais de US$ 1.500 por mês, quer trabalhar no Brasil como massoterapeuta. Profissional liberal, ele viu sua renda variar negativamente nos últimos anos, inclusive com o fechamento de empresas a que prestava serviço. “Na Venezuela, com toda a situação que sabemos, as remunerações estão muito desvalorizadas”, assinala.
A massoterapia é uma alternativa imediata de trabalho. Andherson é cego e a possibilidade de atuar como advogado no Brasil depende de eventual revalidação do diploma. Apesar das dificuldades, ele sonha: “vou me estabelecer primeiro para depois trazer a minha mãe.”
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