Ao contrário do que se observava até 2017, o número de trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão vem aumentado nos últimos anos, afirmaram participantes de seminário na Câmara. De acordo com o coordenador-geral de fiscalização e promoção do trabalho decente do Ministério do Trabalho, André Roston, nesse ano já foram 2.847 trabalhadores resgatados. Em todo o ano de 2017 o País registrou 648 casos.
Segundo os debatedores, alguns fatos contribuíram para esse crescimento dos casos de escravidão moderna, entre eles a reforma trabalhista e a lei de terceirização. O coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho Escravo Contemporâneo na Universidade Federal de Rio de Janeiro, padre Ricardo Rezende, afirma que nos contratos terceirizados o crime é mais frequente.
“Isso se dá pelo fato de ter uma legislação que foi fragilizada. A tentativa, por exemplo, de que combinado se sobreponha ao legislado, é terrível!, o fato de aceitar a terceirização mesmo para as atividades-fim, porque, em geral, é na terceirização que o crime se dá com maior frequência”, aponta.
O procurador do Ministério Público do Trabalho Luciano Aragão Santos manifestou a mesma opinião. Conforme explicou, há uma interpretação da Justiça segundo a qual o beneficiário final da mão de obra terceirizada não seria responsável no caso de ocorrer trabalho escravo. De acordo com o procurador, esse entendimento é controverso e ainda depende de julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal para que haja uma interpretação definitiva.
Impunidade
Outro fator que contribui para a perpetuação do trabalho análogo ao escravo no Brasil é a impunidade, disseram os especialistas. Padre Ricardo Rezende ressaltou que não há ninguém preso no País por utilizar mão de obra escrava, apesar dos mais de 63 mil trabalhadores libertados desde 1995.
Na opinião do gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, Vanius Corte, enquanto essa situação persistir será muito difícil combater efetivamente o trabalho escravo, porque ele se torna lucrativo para quem o pratica.
“O trabalho escravo continua sendo um grande negócio. É muito bom ter escravos, manter trabalhadores nessa condição, porque a consequência é muito pequena. Os empregadores encontrados com trabalho escravo são condenados a pagar as verbas rescisórias, mas não condenados criminalmente e, quando são, é raro serem presos. Então, enquanto essa situação de impunidade permanecer, é muito difícil que a gente combata o trabalho escravo”, salientou.
A representante da ONG Environmental Justice Foundation do Brasil, Luciana Leite, relatou que entre 2008 e 2019 apenas 4,2% das pessoas condenadas por trabalho escravo tiveram as sentenças mantidas após recorrer da condenação.
Expropriação de imóveis
Uma das maneiras de tentar reduzir a impunidade, segundo os debatedores, seria a regulamentação da emenda à Constituição que permite expropriar imóveis de condenados por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão ( EC 81 ).
Para o diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Lucas Reis da Silva, também é necessário aprovar uma legislação que torne as grandes empresas transnacionais responsáveis pelas violações de direitos humanos em toda a sua cadeia produtiva. O fiscal relatou que a França foi o primeiro país do mundo a aprovar uma lei dessa natureza. Depois, segundo disse, outros países europeus como Holanda e Alemanha passaram a contar com legislação semelhante.
“É importante que a gente comece a discutir uma lei brasileira de dever de vigilância para que as empresas que mais lucram, as grandes transnacionais que operam no território brasileiro coloquem a serviço da auditoria fiscal do trabalho as suas políticas de devida diligência para que, a partir desses documentos, as empresas possam ser responsabilizadas ou não em toda sua cadeia de produção. Se elas conseguem controlar a qualidade dos produtos que fornecem, por que não conseguem controlar também a qualidade do trabalho que produz esses objetos que estão à venda?”, questiona.
O seminário sobre políticas de combate ao trabalho escravo no Brasil foi realizado pela Comissão de Trabalho a pedido do deputado Rogério Correia (PT-MG).
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