A repactuação, conduzida hoje pelo Tribunal Regional Federal (TRF), teve início em 2021 e obteve consenso em temas como universalização do saneamento na bacia do Rio Doce, fundo para enfrentamento dos danos à saúde e medidas de retomada econômica. Algumas dessas ações seriam assumidas por União e estados, sem esquecer a chamada “obrigação de fazer” por parte de Samarco, Vale e BHP Billiton, responsáveis pelo crime socioambiental.
Impasse com mineradoras
As mineradoras, porém, travaram o novo acordo por divergências quanto ao valor das ações, segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), uma das representantes do governo federal na repactuação.
“Não assumiremos essas obrigações sem a correspondente contraprestação financeira das mineradoras que seja minimamente capaz de custear todas essas ações, que, como já foi divulgado na imprensa, está na ordem de R$ 126 bilhões”, disse o advogado-adjunto da AGU Junior Divino Fideles. “A contraproposta que as mineradoras apresentaram, de R$ 42 bilhões em medidas compensatórias, é, de fato, aviltante, vergonhosa e desrespeitosa com o poder público”, acrescentou.
Nova tentativa de negociação
Na visita que fizeram ao Tribunal Regional Federal na segunda-feira (18), deputados ouviram do desembargador Ricardo Rabelo a previsão de nova data final para repactuação até março. Fideles, no entanto, ainda não vê interesse por parte das mineradoras.
“Se não tivermos uma mudança significativa na posição das empresas, não acredito na repactuação em março, nem em junho nem em momento algum”, afirmou o advogado. O que não significa dizer, da parte do poder público e da União, que vamos abrir mão de buscar a reparação efetiva pelos danos socioambientais cometidos.”
Um dos relatores parciais da comissão externa, o deputado Helder Salomão (PT-ES) manifestou indignação com a nova paralisação nas negociações. Os deputados Pedro Aihara (Patriota-MG) e Padre João (PT-MG) reforçaram as críticas.
AGU e outros representantes do poder público devem se reunir em janeiro para traçar nova estratégia de atuação na repactuação. Segundo Fideles, estuda-se, inclusive, a aplicação de punições administrativas previstas no Código de Mineração .
Uma das representantes do governo de Minas Gerais nas negociações, a coordenadora-adjunta do Comitê Pró-Rio Doce, Thais Vilas Boas, declarou que ainda acredita na efetivação do acordo final, mas também cobrou maior rigor do Judiciário diante dos oito anos do crime socioambiental e dos quase três anos de processo de repactuação.
Descaso
Procurador do Ministério Público Federal em Minas Gerais, Carlos Bruno da Silva disse estar “espantado” com o fato de as mineradoras não levarem os acordos a sério. Ele citou novo laudo pericial que atesta a contaminação de produtos agropecuários pela lama tóxica e os novos pedidos de condenação judicial contra as empresas.
“O poder público novamente peticionou a condenação das empresas em valor que pode chegar a R$ 100 bilhões. Vale, BHP e Samarco: eu gosto de citar o nome das mineradoras porque não é uma tragédia sem dono, é uma tragédia com culpado, com responsável”.
Representante da Defensoria Pública da União na repactuação, Isabella Simões afirmou que a demora só beneficia as mineradoras. “São oito anos em que esses recursos estão sendo investidos no próprio lucro da empresa, gerando dividendos e aumentando o capital exatamente por conta do benefício do atraso.”
Cobrança formal
O coordenador da comissão externa, deputado Rogério Correia (PT-MG), cobrou mais rigor da Justiça por meio de documento formal.
“Solicitamos ao Poder Judiciário fixar prazo final para o fim da repactuação, priorizar o julgamento das ações judiciais coletivas e individuais que buscam a reparação, bem como agilizar os processos criminais, já que, após oito anos, não houve punição para os crimes cometidos”, informou.
A repactuação se arrasta por quase três anos sem ter garantido a efetiva participação dos representantes das vítimas, segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Coordenador do MAB, Thiago Alves espera mudança dessa realidade a partir da nova Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), aprovada pelo Congresso e em vigor desde 15 de dezembro ( Lei 14.755/23 ).
“Nós já podemos usar a PNAB como referência para garantir a participação dos atingidos e ter isso como espaço criativo dentro da legislação brasileira”, apontou Alves.
Prevenção
O secretário nacional de Mineração, Vitor Saback, disse que o Ministério de Minas e Energia participa das negociações pela repactuação com foco em sustentabilidade ambiental e segurança para as comunidades.
Ele defendeu que a prevenção de novas tragédias passa pela reestruturação da Agência Nacional de Mineração (ANM), que ainda convive com problemas de orçamento e pessoal para fiscalizar as 926 barragens sob acompanhamento.
Ausência das mineradoras no debate
Samarco, Vale e BHP foram convidadas para a audiência na Câmara, mas justificaram a ausência com o argumento de “confidencialidade” de alguns termos da repactuação dos acordos de Mariana.