A redução da vida útil dos telefones móveis, a chamada "obsolescência programada", gerou divergências entre entidades de defesa do consumidor e representantes da indústria de eletrônicos durante audiência pública da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados.
Segundo dados divulgados durante a reunião, o consumidor leva, em média, 2 anos e 9 meses para trocar de aparelho de telefone celular. Houve explicações diferentes para o tempo entre uma troca e outra. Segundo o diretor de relações institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Igor Rodrigues Britto, a pouca durabilidade dos componentes do telefone celular, o elevado custo para trocá-lo fora do prazo de garantia e a falta de componentes obrigam o consumidor a mudar de aparelho.
“O nosso Código de Defesa do Consumidor, muito bem elaborado, muito bem escrito, não é capaz de enfrentar a questão da descartabilidade. As partes que falam de durabilidade de produtos foram escritas em 1990 e, desde então, nunca foram atualizadas. A obsolescência programada é só um elemento complexo de um problema maior, ou seja, a falta de durabilidade dos bens de consumo no Brasil”, disse.
Igor Rodrigues Britto lembrou que o código também não fala sobre o tempo de funcionamento de softwares e defendeu que os fabricantes mantenham peças de reposição para produtos não mais vendidos, regra que deveria atingir os softwares, como ocorre na legislação europeia.
Representante da indústria
As empresas Apple, Samsung e Motorola foram convidadas a enviar representantes, mas quem compareceu foi o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, que representa cerca de 400 indústrias e integradoras de sistemas.
Ele lembrou que os produtos lançados no Brasil são similares aos do resto do mundo e nega a existência da obsolescência programada. Sobre a média de uso de um telefone celular, de menos de três anos, ele afirmou que isso se deve ao desejo do consumidor de acompanhar as novidades, e que, se os celulares ficassem obsoletos, não haveria mercado de telefones usados.
“Na América Latina, o crescimento de vendas de telefones celulares usados é de 29%; nos Estados Unidos é de 15%; na Índia, de 25%; na China, de 10%. Se o telefone tivesse essa tal obsolescência programada, como se quer dizer que existe, por que uma pessoa iria comprar um telefone usado? Ele não serviria mais. Então, não existe uma obsolescência programada, existem necessidades que o consumidor tem e que nós, como fabricantes, temos que atender”, afirmou.
Ele lembrou que a Secretaria Nacional do Consumidor investigou a suposta obsolescência programada nos aparelhos da Samsung e concluiu em nota técnica (NT 399/19) que não havia elementos suficientes para comprovação. O caso acabou arquivado.
Garantia
Os prazos de garantia nos contratos de aparelhos também foram considerados muito curtos, apesar de o Código de Defesa do Consumidor estabelecer o prazo de 90 dias para o consumidor reclamar de vício oculto, independentemente do tempo de uso do produto.
O diretor-geral do Procon-DF, Marcelo de Souza do Nascimento, lembrou que, no Brasil, não há condenação coletiva, mas há decisões individuais favoráveis. O consumidor pode fazer valer o seu direito para casos assim.
O gerente de Certificação e Numeração da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Davison Gonzaga da Silva, ressaltou que a agência trabalha na certificação de celulares, baterias e carregadores de acordo com as normas internacionais.
Projeto de lei
O pedido para realização da audiência foi feito pelo deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA). Ele criticou a estratégia das empresas de implantar a tecnologia de forma paulatina, de maneira que o consumidor terá sempre que adquirir um novo modelo, pois o seu atual se tornou obsoleto ou não funcional. Ele deve se reunir com entidades de defesa do consumidor para a elaboração de um projeto de lei que combata a obsolescência programada.
“[Diante das] várias informações e sugestões de projetos de lei que já nos passaram aqui, nós vamos procurar analisar a legislação de outros países a respeito dessas mesmas empresas que estão aqui representadas pelo senhor Humberto, para que a gente possa ter o mesmo comportamento também no Brasil”, disse.
A indústria eletrônica e elétrica deve faturar neste ano mais de R$ 217 bilhões no Brasil, segundo a Abinee. O setor emprega 272 mil pessoas e está atualmente com quase 80% de capacidade instalada. Os investimentos previstos para este ano são de R$ 3,7 bilhões devido ao lançamento de novos produtos.